A integralização/realização do Capital Social de uma empresa — bens móveis e imóveis — e, posteriormente, a doação ou transmissão de quotas da sociedade, são operações inerentes ao cotidiano dos negócios. Contudo, em ambas operações, os Fiscos municipais e estaduais de diversas partes do país vêm frequentemente desconsiderando o valor real das operações declaradas pelas partes, procedendo ao arbitramento de outro valor/base de cálculo para o ITBI e o ITCMD.

Normalmente, os valores são exorbitantes; aplicados de forma irrazoável e desproporcional. O arbitramento é – conforme será a seguir demonstrado – , portanto, ilegal e inconstitucional; uma nítida afronta ao livre exercício[1] da atividade econômica empresarial.

Melhor explicando, no caso do ITCMD, por exemplo, o Fisco de diversos Estados procede à “avaliação” do “valor de mercado” em toda e qualquer hipótese das operações de doação de quotas do capital social, desconsiderando o valor da operação declarado pelas partes — ainda que de boa-fé. O que realizam, em verdade, se chama de ‘arbitramento’ da base de cálculo do ITCMD. 

No Estado do Rio Grande do Sul, a exemplo, o “ITCD” (ITCMD) foi instituído pela Lei nº 8.821/89, e conforme o artigo 12[2], sua base de cálculo é o “valor venal dos bens, títulos, créditos, ações, quotas e valores, […] apurado mediante avaliação procedida pela Fazenda Pública Estadual”.

Quanto ao ITBI, nas operações de integralização do capital social com bens imóveis de empresa cuja atividade preponderante não se insira na regra de imunidade[3], o Fisco de diversos municípios igualmente desconsidera o valor real da operação declarada pelas partes — também em toda e qualquer hipótese.  Nesses casos, o Fisco realiza a “estimativa” — leia-se: arbitramento — da base de cálculo para a apuração do ITBI, extrapolando os limites constitucionais da sua competência. 

À título exemplificativo, o artigo 11 da Lei Municipal nº 197, de 1989, do Município de Porto Alegre (RS), no tocante à base de cálculo do ITBI:

Art. 11. A base de cálculo do imposto é o valor venal do imóvel objeto da transmissão ou da cessão de direitos reais a ele relativos, no momento da estimativa fiscal efetuada pelo Agente Fiscal da Receita Municipal. 

Ocorre que, o artigo 38 do Código Tributário Nacional (CTN)[4], dispõe que a base de cálculo do ITCMD e do ITBI é o valor venal que, segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), corresponde ao “valor real da operação”[5]. Ou seja, o valor a ser considerado deverá ser, primeiramente, o valor declarado/informado pelas partes. E, excepcionalmente, apenas na impossibilidade da Administração Tributária verificar o valor real das operações, poderá  efetivamente se atribuir/arbitrar outro valor — base de cálculo — para a incidência dos impostos, desde que observados os requisitos do artigo 148 do CTN, conforme transcreve-se:

Art. 148. Quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em consideração, o valor ou o preço de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos, a autoridade lançadora, mediante processo regular, arbitrará aquele valor ou preço, sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado, ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial.

Conforme a leitura do dispositivo, o arbitramento — “estimativa” e/ou “avaliação” — de valores — base de cálculo — , somente será utilizado pela Administração Tributária Municipal quando: a) sejam “omissos”; ou b) “não mereçam fé”, as declarações do contribuinte. 

É nítido que a hipótese é de exceção, e não regra!

Dessa forma, implementam base de cálculo diversa do CTN, sem observância ao artigo 148 e às limitações ao poder de tributar, impostas pela Constituição Federal. Isto pois, os Estados e Municípios ainda que tenham legitimidade para arrecadar o ITCMD e o ITBI, não possuem poderes para alterar a base de cálculo de impostos — que deverá ser estabelecida em Lei Complementar de âmbito Nacional, conforme o artigo 146, III, “a” da Constituição Federal de 1988[6].

Por fim, tais exigências, encontram-se em com o princípio da boa-fé dos contribuintes, da segurança jurídica, e, principalmente, da capacidade contributiva, tornando-os exigíveis mesmo sem referência à qualquer “riqueza” disponível, em nítido caráter de confisco e, assim, em afronta ao livre exercício, da atividade econômica empresarial.

Aspectos relevantes do ITBI e do ITCMD nas operações de integralização e doação de quotas do capital social, e que merecem ênfase e atenção tendo em vista a possibilidade, inclusive, de contestar-se as referidas cobranças, via Mandado de Segurança uma vez que em desacerto com a Carta Magna, e podendo, assim, ocasionar economia tributária relevante para as empresas nestas operações.

.

Artigo escrito por Felipe Hessel, advogado tributário da Stürmer & Wulff

.


[1] Art. 170, da Constituição Federal de 1988. Da redação: Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: […] Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

[2] Art. 12 – A base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens, títulos, créditos, ações, quotas e valores, de qualquer natureza, bem como dos direitos a eles relativos, transmitidos, apurado mediante avaliação procedida pela Fazenda Pública Estadual ou avaliação judicial, expresso em moeda corrente nacional e o seu equivalente em quantidade de UPF-RS, obedecidos os critérios fixados em regulamento.

[3] Da redação: § 2º O imposto previsto no inciso II: I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;

[4] Art. 38. A base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens e direitos transmitidos.

[5] AgRg no AREsp nº 263685/RS, STJ, 2ª T., Rel. Min. Humberto Martins, p. 25/04/2013.

[6] Art. 146. Cabe à lei complementar: […] III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes.