Em março de 2019, uma notícia ganhou o mundo ao divulgar o algoritmo que auxiliou advogados estadunidenses a preverem decisões da Suprema Corte de seu país. Entretanto, muito antes que a metodologia algorítmica ou mesmo outras similares, como a inteligência artificial e o machine learning, ganhassem força e se tornassem parte do vocabulário jurídico no cotidiano, a jurimetria já despontava como uma promessa de inovação no âmbito do direito. 

A primeira alusão a essa ciência, que consiste na utilização de métodos estatísticos para compreender fatos de cunho jurídico, remonta ao ano de 1709, quando o matemático suíço Nicolau I Bernoulli utilizou análises e dados quantitativos para fortalecer sua tese de doutorado — produção intitulada de “De Usu Artis Conjectandi in Jure”, algo como “O Uso da Arte da Conjectura no Direito”, em português. Tempos depois, em 1949, o advogado norte americano Lee Loevinger, por fim cunhou o termo jurimetria, publicando o artigo “Jurimetrics, the next step forward” — “Jurimetria, o próximo passo à frente”, em tradução para a língua portuguesa. 

E após ter definido, com a publicação desse trabalho, a então nova ciência como a aplicação da lógica às leis, Loevinger dedicou seus próximos anos a refinar a sua teoria sobre a jurimetria, apresentando, em 1992, métodos mais elaborados com base em recursos estatísticos de avaliação de hipóteses, como as chamadas inferência bayesiana e a álgebra booleana.

A jurimetria hoje

Após um longo processo de estruturação, para o qual contribuíram muitos outros profissionais além de Loevinger, a jurimetria e o seu estudo foram por fim sintetizados em uma ciência completa, com métodos e parâmetros de aplicação bem definidos. Ela até mesmo teve a sua essência delineada, se tornando conhecida e compreendida a partir de seus três pilares: a elaboração legislativa e a gestão pública; a decisão judicial; e a instrução probatória. 

Sobre o primeiro, ele representa a intenção da jurimetria em preparar o solo jurídico de uma determinada região para aplicação de suas práticas. Depurando dados históricos, sociais e econômicos de uma cidade, estado ou país, por exemplo, a jurimetria fornece aos legisladores fundamentos sólidos sobre os quais eles poderão construir leis que sejam mais condizentes à realidade de seu povo.

A decisão judicial, por sua vez, corresponde à área da jurimetria que busca oferecer aos juízes diferentes perspectivas sobre um mesmo fato. A partir de seus métodos de comparação de cenário e de construção de hipóteses, ela busca garantir que as decisões por eles tomadas sejam as mais justas possíveis.

O terceiro pilar, no qual culminam os anteriores, diz respeito à forma como a jurimetria transforma os dados que analisa em indicadores, apontando para padrões e probabilidades. Sendo, talvez, a parte mais reconhecida dessa ciência, a instrução probatória é que exerce maior influência sobre os profissionais do direito, lhes orientando frente às demandas jurídicas.

Responsável por averiguar o histórico de sentenças de um tribunal ou comarca, por exemplo, ela permite calcular o índice de probabilidade de uma decisão positiva ou negativa ser proferida acerca de um determinado tema. Isso fornece ao advogado uma antecipação bastante assertiva sobre as chances de êxito ou fracasso em uma ação, bem como possibilita a revisão e a adaptação de abordagens, garantindo uma vantagem estratégica importante.

A jurimetria aplicada em conjunto com a tecnologia

Voltando à notícia mencionada no início deste texto, o mágico algoritmo nela mencionado nada mais é do que um fruto da jurimetria. Tenha sido de forma consciente ou não, quem o desenvolveu se baseou nessa ciência, mais especificamente em seu pilar de instrução probatória. 

Isso porque a estratégia utilizada por ele foi a seguinte: analisar todos os casos julgados pela Suprema Corte desde 1816 e classificar as características de cada voto proferido — considerando fatores como tribunal de origem do caso, argumentos utilizados em sustentações orais e tipo de posicionamento do juiz. Inegavelmente uma prática da jurimetria. 

“Mas se o algoritmo se baseou em jurimetria, que é uma ciência já bastante conhecida, por que então a notícia foi tão surpreendente?” — eis que surge a pergunta. E a resposta para ela cabe em uma palavra: tecnologia. Toda a admiração por esse algoritmo se deu por conta do uso da tecnologia. 

E, sim, a jurimetria utiliza sistemas tecnológicos em seus processos, antes que você se questione. Ela só não costuma depender inteiramente deles. Depois de processar dados em um software, por exemplo, a jurimetria requer a capacidade de análise cognitiva de um ser humano para interpretar os indicadores que tal sistema apontou. E é justamente nesse ponto que o mecanismo algorítmico norte americano se diferencia. 

Os pesquisadores que o desenvolveram se valeram de um recurso tecnológico chamado de machine learning — aprendizado de máquina, em português — para fazer com ele não apenas processasse e analisasse dados, mas aprendesse com eles e se tornasse apto a os interpretar, por si só. A cada novo caso examinado, o algoritmo compreendia melhor o método da Suprema Corte, sendo capaz, ao fim do experimento, de fazer previsões com índice de 70,2% de assertividade.

Vale mencionar que esses mesmos pesquisadores responsáveis por desenvolver esse sistema algorítmico trataram de testar a capacidade de especialistas do direito em fazer previsões sobre as decisões da Suprema Corte. E o índice de acerto desses profissionais foi de apenas 66%. 

O que reserva o futuro

O que o caso do algoritmo estadunidense nos revela é uma grande tendência para o futuro da jurimetria. Essa ciência, assim como muitas outras, promete se aproximar cada vez mais da tecnologia para criar melhores e mais extraordinárias possibilidades dentro do mundo do direito. E esse movimento, além de necessário para o crescimento da própria jurimetria, será importantíssimo para o desenvolvimento da área jurídica, como um todo, beneficiando os profissionais que nela atuam e aqueles que nela buscam a defesa de suas causas. 

Com processos mais automatizados e aperfeiçoados, por exemplo, a jurimetria será capaz de atingir níveis cada vez maiores de assertividade em suas previsões, construindo, assim, verdadeiros alicerces para o exercício da atividade jurídica por meio de advogados e juízes.

E principalmente no que compete à esfera de instrução probatória, é possível esperar um grande avanço. Munidos de informações estatísticas e dados de probabilidade mais precisos, os profissionais do direito terão à sua disposição um leque muito maior de recursos para explorar frente as demandas que recebem. Estudar cenários possíveis, elaborar abordagens e ajustar estratégias será um processo muito mais fácil, fazendo com que o próprio ajuizamento e defesa de causas seja também mais simples.