Ao fim do ano passado, o futuro tributário do Brasil parecia bem claro. Para 2020, as previsões eram de que pautas como a reforma tributária e a tese de exclusão do ICMS sobre o PIS e a Cofins seriam finalmente encerradas, apaziguando muitas das discussões que afligiam os contribuintes. Contudo, a pandemia do coronavírus embaçou as perspectivas fiscais do país, fazendo da realidade algo muito diferente do que havia sido estipulado. Agora, os temas tributários que preocupam as empresas são outros. Estamos diante de um novo cenário fiscal. 

1. A Lei 13.988 e os debates acerca da constitucionalidade e da retroatividade das normas fiscais 

Desde a sua promulgação no dia 14 de abril deste ano, a Lei n° 13.988/2020 — também chamada de Lei do Contribuinte Legal —  gerou grandes polêmicas no meio tributário por conta das mudanças que implementou, ganhando, então, destaque entre as principais discussões do novo cenário fiscal do país. A norma, que converteu a MP n° 899/2019, disciplinando questões relativas à transação tributária e extinguindo o voto de qualidade do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), não apenas teve a sua constitucionalidade questionada, como também suscitou discussões acerca da retroatividade das leis fiscais. 

E entre a regulamentação da transação tributária e a extinção do voto de qualidade, é a este último que se devem os debates recentemente levantados.

Por meio de seu artigo 28, a referida nova norma adiciona à Lei n° 10.522/2002 o dispositivo 19-E, estabelecendo que “em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade a que se refere o § 9º do art. 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, resolvendo-se favoravelmente ao contribuinte”. Tal definição, contudo, foi entendida por muitos juristas e por muitos representantes da Fazenda Pública como uma espécie de “contrabando legislativo” — prática inconstitucional pela qual se incluem definições alheias à temática central de uma Lei convertida a partir de uma Medida Provisória. 

Por esse motivo, pedidos de suspensão do fim do voto de qualidade já foram apresentados ao Supremo Tribunal Federal (STF) e aguardam análise do Órgão. 

Mas, conforme mencionado anteriormente, as discussões acerca da Lei 13.988 vão além da Constituição. Com base no artigo 106, II, c, do Código Tributário Nacional (CTN), que diz que “a lei tributária deve retroagir quando cominar penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática, razão pela qual há que ser reduzida a sanção, nos termos do superveniente Decreto 27.487/2004”, estão dando forma a uma tese que procura aplicar os efeitos da nova norma a ações passadas. 

Segundo o entendimento deles, assim seria possível rever pareceres desfavoráveis que foram proferidos pelo Carf mediante o voto de qualidade. Além disso, eles também estudam a possibilidade de estender os efeitos da nova lei às situações em que há Recurso Especial pendente de julgamento na Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) ou em que há decisão do CSRF já proferida por voto de qualidade, mas ainda não publicada. 

Contudo, ainda não há clareza suficiente acerca do tema. Há quem argumente que as definições do art. 106 do CTN não podem ser aplicadas nessas circunstâncias, o que eliminaria a possibilidade de rever as decisões já proferidas. Quanto aos casos em que o recurso está pendente de julgamento, ou de publicação da sentença, há consenso: entende-se que as definições do novo dispositivo legal teriam aplicação imediata.

2. Créditos de Pis e Cofins e as despesas da quarentena

Amplamente discutido ao longo dos últimos anos, o conceito de insumo para fins de creditamento do PIS e da Cofins não raramente gera dúvidas aos contribuintes. Hoje, porém, diante das mudanças econômicas que a pandemia do novo coronavírus causou na realidade das empresas, esse tema voltou à roda de discussão com questionamentos inéditos, tornando-se bastante relevante diante do novo cenário fiscal brasileiro. O que se procura saber agora é se as despesas que se tornaram relevantes em razão da quarentena gerariam créditos das duas referidas contribuições. Seria o caso dos gastos com softwares para o trabalho remoto e com aluguéis de notebooks, por exemplo.

Segundo o que dispõem as Leis 10.833/2003 e 10.637/2002, o direito ao crédito desses dois tributos é garantido sobre os insumos utilizados na produção de bens e na prestação de serviços. Tal entendimento, porém, não é bem aceito pelos contribuintes, que o percebem como muito limitado. Em vez de apenas considerar o que é essencial ao processo produtivo de um negócio, eles alegam que seria necessário também levar em conta a atividade econômica de cada empresa e, a partir disso, analisar o que seria imprescindível ao exercício de suas funções. 

Nesse sentido, a Receita Federal e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) demonstram compreensões bastante contrastantes: enquanto o Fisco acredita que apenas o que for indispensável ao processo produtivo pode ser considerado como insumo, o STJ defende que o conceito de insumo e essencialidade deve, sim, estar atrelado à atividade econômica. 

E seguindo a linha de entendimento do STJ, os contribuintes então pedem uma reanálise dos critérios de essencialidade em face da instabilidade econômica que hoje assola o mercado, visto que, para enfrentar a pandemia e manter um funcionamento regular, muitas empresas precisaram arcar com novos gastos, adquirindo softwares para comunicação e equipamentos para garantir o trabalho remoto, por exemplo.

3. A reforma tributária

Apesar de agora já não representar uma possibilidade concreta, a reforma tributária faz parte do novo cenário fiscal brasileiro, de forma bastante relevante, inclusive. Isso porque há por parte dos contribuintes — e de muitos partidos, órgãos e juristas — um grande interesse em aprová-la independemente da pandemia do novo coronavírus, visto que uma mudança eficiente na estrutura fiscal do país poderia significar a salvação de muitas empresas e da economia, no todo, neste momento. 

Porém, para o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, é bastante improvável que a reforma tributária seja votada agora. Ele até chegou a informar que a comissão especial que analisa as propostas seguirá trabalhando por videoconferência, mas declarou que “reformas são importantes no médio e longo prazos, no curto são as vidas das pessoas” e que “fixação em meta fiscal com o tsunami que teremos é não ter a cabeça no lugar”.

E muitos parlamentares concordaram com o posicionamento de Maia, defendendo que esse não é o melhor momento para se debruçar sobre projetos de reforma fiscal, mas, sim, para somar forças no combate ao avanço do Covid-19 e aos efeitos que ele produz. Por outro lado, o Ministro da Economia, Paulo Guedes, defende que a aprovação de uma reforma tributária deve ser prioridade, mesmo em meio às circunstâncias atuais. Ele acredita que depois que a crise se dissipar, será essencial contar com medidas tributárias mais racionais e flexíveis no Brasil, o que somente uma reforma proporcionaria.

4. A exclusão do ICMS sobre PIS e Cofins e suas teses filhotes

A tese de exclusão do ICMS sobre o PIS e Cofins é, há muito tempo, uma das grandes pautas tributárias do país, e, mesmo agora, diante de um novo cenário fiscal, isso não é diferente. Em parte isso se deve ao fato de que ela abriu precedentes para que os contribuintes solicitassem a exclusão de vários outros tributos — a exemplo do ISS e do IPI — das bases de cálculo das duas referidas contribuições e de outras mais — como a CSLL. 

Para este mês de maio, inclusive, estão previstos dois julgamentos bastante relevantes nesse sentido. O primeiro, relativo a dedução do ICMS sobre o cálculo do IRPJ e da CSLL para empresas enquadradas no Regime do Lucro Presumido, acontecerá na próxima quarta-feira dia 13, na 1ª turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O segundo, referente à exclusão do IPI incidente sobre PIS e Cofins, deve acontecer no dia 27, no Supremo Tribunal Federal (STF). 

Não há, no entanto, previsão para que a tese original seja analisada pela Suprema Corte. O último diferimento de prazo aconteceu em março desse ano, em face da pandemia do coronavírus.