Para além das crises sanitárias e econômicas, 2020 foi um ano repleto de acontecimentos jurídico-tributários bastante significativos para contribuintes e para a União. No ambiente do Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo, diversas pautas que há muito vinham sendo discutidas tiveram, finalmente, a sua resolução, pavimentando caminhos e perspectivas para o novo ano tributário que já bate à nossa porta.

E para proporcionar uma oportunidade de relembrar cada acontecimento que teve lugar nos últimos doze meses, elaboramos este artigo. Nele, você poderá conferir a nossa seleção de principais pautas fiscais do ano, bem como poderá, a partir da análise que fizemos sobre cada uma delas, traçar um panorama sobre o que 2021 nos reserva.

Confira: 

1 – Lei do Contribuinte Legal

Em 14 de abril deste ano, o mundo tributário estremeceu com a promulgação da Lei n° 13.988, também conhecida como a Lei do Contribuinte Legal. 

A norma, que resultou da conversão da MP n° 899, de 16 de outubro de 2019, foi responsável por regulamentar a chamada transação tributária —  instituto de negociação de débitos fiscais previsto no Código Tributário Nacional desde 1966, mas até então nunca regimentado — e por extinguir o voto de qualidade — medida utilizada pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) para proferir decisões em situações de julgamentos empatados — gerando, com isso, uma série de discussões entre contribuintes, especialistas tributários e representantes da administração fiscal.

Entre os dois últimos grupos, os debates se desenrolaram em torno do fim do voto de qualidade do CARF, principalmente. Para a Procuradoria-Geral da República (PGR), por exemplo, o artigo 28 da Lei n° 13.988 — que é responsável por modificar a Lei n° 10.522/2002, adicionando a ela o artigo 19-E e, assim, extinguindo o voto de qualidade do CARF — deve ser entendido como parte de um contrabando legislativo — prática condenada em 2016 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do ADI 5.127/DF —, posto que o texto da MP n° 899, que deu origem a Lei do Contribuinte Legal, em nada se relacionava aos julgamentos fiscais ocorridos em âmbito administrativo. Com base nesse entendimento, inclusive, a PGR ajuizou processo junto a Suprema Corte para que tal artigo da Lei tivesse sua validade suspendida. 

Para além da PGR, o Instituto Nacional de Defesa em Processo Administrativo (Indepad) e o Ministério Público Federal (MPF) também solicitaram que o artigo 28 da referida norma fosse suspenso.  A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em contrapartida, defende que a Lei n° 13.988, em sua integridade, é constitucional.

2 – Reforma Tributária

No dia 21 de julho deste ano, o Senado Federal e a Câmara dos Deputados receberam para análise o Projeto de Lei (PL) n° 3.887/2020, o qual continha as sugestões do Ministério da Economia para a realização de uma reforma no sistema tributário brasileiro. 

Pela norma — que segundo o próprio Ministério foi elaborada de modo parcial e, portanto, ainda dependeria da redação de outros PLs para poder mostrar na íntegra as ideias do Governo Federal sobre a situação fiscal do país — ,  foi proposta a substituição dos impostos PIS e COFINS por um novo tributo, a CBS (Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços). Esta, se aprovada, deverá funcionar no modelo do internacionalmente conhecido e validado IVA (Imposto sobre Valor Agregado), tributo que concentra em si as várias cobranças que são feitas ao longo de uma cadeia produtiva, a fim de eliminar a ocorrência de bitributação.

E apesar de ser bastante semelhante às sugestões apresentadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal em suas respectivas propostas de reforma tributária, a ideia do Ministério da Economia não foi muito bem recebida pelos especialistas tributários, os quais a apontaram como problemática e incoerente. 

Um primeiro ponto levantado como contraditório é a promessa do Ministério da Economia de que a substituição do PIS e da COFINS pela CBS contribuiria para a redução da carga tributária. De acordo com cálculos feitos pelos economistas Fábio Goto e Manoel Pires, do Observatório Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), o novo tributo, na verdade, irá gerar um aumento de aproximadamente R$ 50,3 bilhões na carga fiscal, em decorrência do aumento da alíquota de 9,25% (hoje praticada no regime não-cumulativo de PIS e COFINS) para 12%. 

Além disso, também se aponta para os impactos que a CBS terá sobre os prestadores de serviços, uma vez aprovada. Segundo análise feita Tax Group, setores como construção civil, hotelaria, restaurantes, telemarketing  e muitos outros terão a sua tributação triplicada com a CBS. Isso porque tais segmentos hoje apuram PIS e COFINS no regime cumulativo, dentro do Lucro Presumido, no percentual de 3,65%.

3 – Contribuição Patronal sobre salário-maternidade

No último 04 de agosto, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento do RE 576967, fixando a tese de que “é inconstitucional a incidência da contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre o salário-maternidade”

Tal definição foi firmada com base no entendimento do Ministro Luis Roberto Barroso, que atuou como relator do processo. Para ele — que analisou o contexto da cobrança da contribuição sob diversas óticas, da jurídica à social, analisando as leis que tratavam sobre o tema e estudos que retratavam diferenças de gênero no mercado de trabalho brasileiro — o salário-maternidade, embora concedido a pessoa física, não está vinculado a prestação de serviço, posto que é pago durante período de licença, e, assim, não poderia ser considerado rendimento de trabalho ou tampouco compor a base de cálculo para a contribuição patronal devida pelo empregador. 

O caso, que foi reconhecido em repercussão geral (Tema 72), representou significativa vitória para os contribuintes, proporcionando a eles uma desoneração considerável sobre a folha de pagamentos e, mais precisamente, sobre a contratação de mão-de-obra feminina. Para a União, por outro lado, o custo será grande: por ano, o prejuízo será de R$ 1,3 bilhão para os cofres públicos, apenas referente a não mais possibilidade de arrecadação da contribuição — caso precise restituir os valores pagos pelos contribuintes ao longo dos últimos 5 anos, a conta sobe para R$ 6,5 bilhões.

4 – IPI sobre revenda de importados

Em julgamento encerrado no dia 21 de agosto deste ano, o Supremo Tribunal Federal definiu que é devida, sim, a cobrança do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na revenda de produtos importados. 

Segundo o que entendiam os importadores, a realização da cobrança do tributo em dois instantes diferentes — no momento da entrada da mercadoria no país e no momento de sua venda — deveria ser considerada bitributação, algo que feriria o princípio da isonomia. Apesar disso, o entendimento dos ministros foi de que as operações de entrada e saída de um produto configuram fatos geradores distintos, mesmo quando performadas pelo mesmo contribuinte, não restando, assim, razões para entender que a cobrança do IPI seria inconstitucional. 

O caso, reconhecido em repercussão geral, favoreceu a União e a Indústria Nacional, prevenindo uma perda de R$ 10,8 bilhões na arrecadação anual e um prejuízo de R$ 56,3 bilhões referente a devolução dos valores pagos nos últimos cinco anos pelos contribuintes. 

5 – Adicional de 10% sobre a multa do FGTS

Tendo sido criada no governo do ex-presidente da república Fernando Henrique Cardoso com o objetivo de reparar os prejuízos causados pelos Planos Verão e Collor — calculados em R$ 42 bilhões — , a cobrança do adicional de 10% do FGTS, que era realizada em conjunto com a multa de 40% paga pelos empregadores em demissões sem justa causa, foi extinta em 1º de janeiro deste ano, em razão da promulgação da Lei 13.932/2019. Apesar disso, o tema continuou em discussão, posto que diversas empresas já questionavam no judiciário a validade da cobrança, entendendo que ela deveria ter sido interrompida em 2012, ano em que a Caixa Econômica Federal declarou terem sido compensados os valores que motivaram a criação do adicional, em primeiro lugar. 

Em agosto deste ano, ao analisar o RE 878313, que discutia a matéria e que foi reconhecido como Tema 846 da Repercussão Geral, o STF trouxe um desfecho ao caso, posicionando-se desfavoravelmente aos contribuintes e fixando a tese de que “é constitucional a contribuição social prevista no artigo 1º da Lei Complementar nº 110, de 29 de junho de 2001, tendo em vista a persistência do objeto para a qual foi instituída”. 

Segundo o entendimento que prevaleceu entre os ministros da Corte, mesmo que não tenha mais servido ao seu propósito inicial, o adicional serviu para custear e preservar, ainda que indiretamente, direitos inerentemente relativos ao FGTS, e, portanto, não haveria razão para considerar a sua cobrança indevida. 

6 – ICMS sobre transferências sem ato mercantil

Em agosto deste ano, o STF decidiu em favor dos contribuintes, declarando que não há incidência do ICMS sobre o deslocamento de produtos entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte, ainda que em estados distintos. 

O caso, analisado a partir do ARE 1255885 e reconhecido em repercussão geral (Tema 1099), reflete o entendimento dos ministros de que, sem ato mercantil, ou seja, sem a transferência de titularidade do bem em deslocamento, a cobrança do imposto deve ser considerada inconstitucional. 

Segundo o próprio relator do caso, Dias Toffoli, então ministro e presidente da Suprema Corte, a matéria possuía impacto jurídico, social, político e econômico, por tratar de uma das principais fontes de receita dos estados, sendo justificada, assim, a inclusão de tal julgamento neste ranking de maiores pautas tributárias de 2020. 

7 – Contribuição previdenciária sobre o terço de férias

Também no mês de agosto, o Supremo Tribunal Federal fixou a tese de que “é legítima a incidência de contribuição social sobre o valor satisfeito a título de terço constitucional de férias”

A decisão, proferida mediante análise do RE 1072485, foi reconhecida em Repercussão Geral (Tema 985) e gerou impacto significativo aos contribuintes, os quais baseados em decisão da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça haviam interrompido o pagamento da contribuição. 

De acordo com o entendimento do relator do processo, ministro Marco Aurélio de Mello, o qual prevaleceu na Corte, o terço de férias é pago como complemento remuneratório, não indenização, e, portanto, a cobrança da contribuição previdenciária sobre ele seria devida. 

8 – Exclusão do ICMS-ST da base de cálculo do PIS e da COFINS

Ao analisar a incidência do ICMS-ST (por substituição tributária) na base de cálculo das contribuições ao PIS e à Cofins, o STF decidiu não reconhecer o tema em repercussão geral por considerá-lo infraconstitucional. Com isso, a responsabilidade de analisar a matéria, tratada no RE 1.258.842, foi repassada ao Superior Tribunal de Justiça. 

Este, por sua vez, já havia anteriormente se posicionado como não competente a fazer tal análise, posto que julgava o tema como constitucional e, portanto, cabível ao julgamento do Supremo Tribunal Federal. É o caso de decisão apresentada no REsp 1872196/SC.

A pauta, embora não amplamente discutida na mídia, merece destaque como uma das principais pautas tributárias de 2020, não apenas por se referir a um dos mais importantes tributos do país, mas também por constituir tese derivada da que propõe a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, e por poder gerar grandes impactos aos contribuintes. 

9 – Contribuições ao Sistema S

Em setembro deste ano, o STF decidiu manter a cobrança da contribuição de 0,6% incidente sobre a folha de salário das empresas brasileiras para fins de custeio do Sebrae, da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) e da ABDI (Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial), entidades do chamado Sistema S.

O caso, julgado a partir do RE 603624, questionava a constitucionalidade da contribuição perante definição apresentada pela Emenda Constitucional n° 33 de 2001, a qual alterou o texto do parágrafo 2º do artigo 149 da Constituição Federal, estabelecendo que as contribuições sociais poderiam ter alíquotas baseadas no faturamento, receita bruta ou valor de operação. Para os contribuintes, posto que a norma editada não mencionava a folha de pagamentos, a cobrança das contribuições às entidades referidas seria indevida. Tal entendimento, contudo, não foi acatado pela Suprema Corte. 

Após a derrota, os contribuintes decidiram apostar em uma nova abordagem para reduzir o custo com as contribuições feitas ao Sistema S. Na justiça, eles passaram a pleitear  por uma redução na base de cálculo, solicitando que esta fosse limitada a no máximo 20 salários-mínimos e não mais abrangesse toda a folha de pagamentos, baseando-se, para tanto, na Lei n° 6.950/1981, a qual previa, em seu artigo 4º, que a base de cálculo das contribuições ao Incra e ao Sistema S deveriam respeitar o mesmo teto que regulamenta a cobrança das contribuições previdenciárias, fixado justamente em 20 salários-mínimos.

Nesse sentido, algumas decisões favoráveis aos contribuintes já foram proferidas, a exemplo da tomada pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) na análise do REsp 1570980. 

10 – Créditos de PIS e COFINS sobre despesas da quarentena

Neste ano, os contribuintes adicionaram mais uma camada de complexidade à já difícil e controversa tarefa de definir o conceito de insumo para fins de creditamento de PIS e COFINS. Em tempos de pandemia, eles buscaram saber se as despesas relativas à adaptação das operações para a modalidade de trabalho remoto — a exemplo da contratação de softwares e do aluguel de notebooks — poderiam gerar créditos das duas referidas contribuições. 

Segundo o que dispõem as Leis 10.833/2003 e 10.637/2002, o direito ao creditamento desses dois tributos é garantido sobre os insumos utilizados na produção de bens e na prestação de serviços. Tal entendimento, porém, não é bem aceito pelos contribuintes, que o percebem como muito limitado. Em vez de apenas considerar o que é essencial ao processo produtivo de um negócio, eles alegam que seria necessário também levar em conta a atividade econômica de cada empresa e, a partir disso, analisar o que seria imprescindível ao exercício de suas funções. 

Nesse sentido, a Receita Federal e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) demonstram compreensões bastante contrastantes: enquanto o Fisco acredita que apenas o que for indispensável ao processo produtivo pode ser considerado como insumo, o STJ defende que o conceito de insumo e essencialidade deve, sim, estar atrelado à atividade econômica. 

E seguindo a linha de entendimento do STJ, os contribuintes então pediram uma reanálise dos critérios de essencialidade em face da instabilidade econômica que assolou o mercado em 2020, visto que, para enfrentar a pandemia e manter um funcionamento regular, muitas empresas precisaram arcar com novos gastos, adquirindo softwares para comunicação e equipamentos para garantir o trabalho remoto, por exemplo.

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Aproveite também para conferir os nossos insights sobre gestão tributária para 2021 e entender como a implementação de estratégias jurídicas nas rotinas fiscais do seu negócio poderá ajudá-lo a deslanchar no próximo ano.