A Blindagem patrimonial é o conjunto de estratégias jurídicas usadas para proteger bens contra riscos futuros, como execuções fiscais, dívidas empresariais ou litígios familiares. Enquanto isso, a partilha de bens é o processo de divisão do patrimônio em caso de divórcio, observando o regime de bens escolhido pelo casal.
Em meio a crises conjugais ou investigações judiciais envolvendo pessoas públicas ou empresários com alto patrimônio, é comum que surjam estratégias de reorganização patrimonial. Entre elas, o divórcio é frequentemente cogitado como uma forma de resguardar bens. Mas até que ponto essa separação protege de fato?
Imagine um casal com grande notoriedade pública, patrimônio estimado em centenas de milhões de reais, com mansões, aeronaves, veículos de luxo e participações societárias em empresas que operam ativamente no mercado. Casados sob o regime da comunhão parcial de bens, eles se veem, no centro de investigações públicas e judiciais que podem afetar diretamente o seu patrimônio.
Diante desse cenário, uma pergunta começa a surgir: o divórcio poderia ser usado como estratégia para proteger o patrimônio do casal?
Neste artigo, vamos aprofundar esse debate, analisando os limites legais da blindagem patrimonial, as consequências jurídicas da partilha de bens e os riscos envolvidos.
Como funciona a partilha de bens?
O regime de bens pode se enquadrar em uma de quatro categorias:
- Regime de separação total:
- Neste regime, não há divisão do patrimônio em caso de separação. Cada cônjuge mantém o que é seu;
- É necessário um pacto prévio registrado em cartório para formalizar este regime, ou um contrato em cartório no caso de união estável.
- Comunhão parcial de bens:
- Apenas os bens adquiridos após o casamento são considerados do casal e serão divididos igualmente em caso de divórcio;
- Os bens que cada cônjuge possuía antes da união permanecem de posse exclusiva;
- É o regime padrão para as relações de união estável;
- Alguns bens adquiridos durante o casamento podem não ser partilhados, como heranças e bens de uso pessoal.
- Comunhão universal de bens:
- Todos os bens passam a pertencer aos dois cônjuges;
- É necessário um pacto antenupcial registrado em escritura pública para formalizar este regime, ou um contrato em cartório no caso de união estável.
- Participação final de aquestos:
- Os aquestos são os bens adquiridos na constância do casamento;
- Cada cônjuge administra seus próprios bens durante o casamento, seguindo o regime de separação de bens;
- No momento da dissolução da união, os bens são divididos conforme o regime de comunhão parcial de bens.
Entenda mais sobre o assunto no nosso conteúdo: Dúvidas e curiosidades sobre divisão de bens
Comunhão parcial de bens: como funciona?
Como no caso de exemplo, o regime da comunhão parcial de bens é o mais comum no Brasil e, salvo pacto antenupcial em sentido contrário, é adotado automaticamente. Nele, todos os bens adquiridos onerosamente durante o casamento integram o patrimônio comum do casal, ainda que estejam registrados em nome de apenas um dos cônjuges.
Bens que entram na comunhão:
- Bens comprados durante o casamento;
- Benfeitorias feitas em bens particulares com recursos do casal;
- Frutos (aluguéis, lucros, rendimentos) dos bens comuns e particulares.
Bens que não entram:
- Bens adquiridos antes do casamento;
- Heranças e doações individuais;
- Bens de uso pessoal e instrumentos de trabalho;
- Obrigações anteriores ao casamento.
Segundo o art. 1.658 do Código Civil, esse regime presume a contribuição mútua, direta ou indireta, de ambos os cônjuges.
blindagem patrimonial: quando o divórcio não protege o patrimônio?
A dissolução do casamento não exclui automaticamente as responsabilidades jurídicas dos cônjuges sobre os bens adquiridos durante a união. Ou seja, mesmo após o divórcio, esses bens podem ser alcançados por decisões judiciais, principalmente se houver indícios de que a separação foi usada como instrumento de ocultação patrimonial.
Exemplos de consequências possíveis:
- Bloqueio de bens partilhados;
- Desconsideração da separação pelo Judiciário;
- Investigação de fraude contra credores, se a separação ocorrer próximo a investigações ou processos de execução.
O uso do divórcio como estratégia de blindagem exige cautela jurídica extrema, pois pode ser considerado um ato simulado se não houver efetiva separação da vida conjugal.
O que é blindagem patrimonial? É legal?
Sim, a blindagem patrimonial é legal e prevista na legislação brasileira, desde que feita preventivamente e com transparência, sem o objetivo de fraudar credores ou frustrar obrigações legais.
Blindar o patrimônio significa organizar juridicamente os bens para proteger parte deles de riscos futuros, como dívidas empresariais, disputas judiciais, heranças conflituosas ou dissoluções de sociedade conjugal.
As principais formas legais de blindagem incluem:
a) Bem de Família
É o instituto pelo qual o imóvel residencial da família é declarado impenhorável (Lei nº 8.009/90). Deve ser registrado como tal, preferencialmente antes da existência de dívidas.
b) Doação com Reserva de Usufruto
Permite transferir a propriedade formal de um bem, mantendo o direito de uso e administração. Afasta a penhora do bem em si, embora o usufruto possa ser atingido.
c) Criação de Holding Patrimonial
Consiste na constituição de uma empresa destinada exclusivamente à administração de bens familiares. Pode facilitar a sucessão, gerar benefícios tributários e separar os bens da atividade empresarial.
d) Separação Total de Bens
Regime de casamento que impede a comunicação patrimonial, protegendo os bens de cada cônjuge em caso de divórcio. Pode ser adotado por meio de pacto antenupcial ou alterado judicialmente durante o casamento.
e) Contratos de Namoro
Evita o reconhecimento de união estável e a consequente divisão de bens, deixando expressa a ausência de intenção de constituir família. Deve ser lavrado por escritura pública.
f) Empresas Offshore
A constituição de pessoa jurídica em jurisdições internacionais com fins de planejamento patrimonial e fiscal é legal, desde que declarada ao fisco e usada para fins lícitos.
g) Cédulas de Crédito Bancário com Garantia Real
A alienação fiduciária de bens para bancos impede que esses ativos sejam penhorados por outros credores, exceto o próprio banco, que é o titular da garantia.
Divórcios estratégicos, blindagem patrimonial e separação de bens
A Justiça brasileira tem mecanismos para analisar a boa-fé de divórcios realizados em momentos delicados, como durante operações de busca e apreensão, CPI’s, ou investigações criminais.
Se houver proximidade entre a separação e os fatos investigados, o divórcio pode ser interpretado como manobra para encobrir patrimônio, e não como blindagem patrimonial. Nesse caso, é possível:
- Reverter atos de partilha;
- Alcançar bens já transferidos a um dos cônjuges;
- Atribuir responsabilidade solidária por dívidas.
A simulação é vedada pelo artigo 167 do Código Civil:
“É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.”
O que acontece com os bens em caso de investigação?
Mesmo após a separação, bens comuns adquiridos na constância do casamento podem ser alvo de medidas cautelares, como:
- Arresto;
- Sequestro;
- Indisponibilidade de bens
Isso é ainda mais provável quando:
- O casal possui empresas em comum;
- Há indícios de lavagem de dinheiro ou ocultação de patrimônio;
- Os bens estão registrados em nome de terceiros ou pessoas jurídicas.
A formalização de divórcio não impede a responsabilização patrimonial quando há indícios de fraude.
Divisão e proteção de bens no divórcio para blindagem patrimonial
A proteção patrimonial exige planejamento prévio. Blindar bens depois que os problemas já surgiram pode ser interpretado como tentativa de fraude. Por isso, o ideal é contar com consultoria jurídica especializada desde o início da formação do patrimônio, seja individual ou compartilhado.
Blindagem não é sinônimo de esconder, mas de organizar. O que diferencia a proteção legítima da fraude é a intenção, o tempo e a transparência.
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